Senhora, três leopardos brancos sentaram-se sob um zimbro
II
No frescor do dia, tendo-se alimentado até à saciedade
Das minhas pernas, do meu coração, do meu fígado e do que havia sido
contido
No círculo oco do meu crânio. E Deus disse
Esses ossos vivem? devem esses
Ossos viver? E tudo que havia sido contido
Nos ossos (que já estavam secos) disse chilreando:
Pela bondade desta Senhora
E por causa do seu amor, e porque
honra a Virgem em meditação,
Reluzimos com brilho. E eu que aqui estou dissimulado
Ofereço as minhas acções ao oblívio, e o meu amor
À posteridade do deserto e ao fruto da abóbora.
É isso que recupera
As minhas entranhas, os nervos dos meus olhos e as porções indigeríveis
Que os leopardos rejeitam. A senhora retira-e
Num vestido branco para meditar, num vestido branco.
Que a maldade dos ossos expie o esquecimento.
Não há vida neles. Como estou esquecido
E seria esquecido, assim esqueceria
Tão devotado e centrado num fim. E Deus disse
Profetiza ao vento, ao vento apenas porque apenas
O vento ouvirá. E os ossos cantavam chilreando
Com o fardo do gafanhoto, dizendo
Senhora dos silêncios
Calma e angustiada
Cortada e mais inteira
Rosa da memória
Rosa do esquecimento
Exausta e nutriente
Preocupada em repouso
A Rosa singela
Agora é o Jardim
Onde acabam todos os amores
Põe fim ao tormento
Do amor insatisfeito
Ao tormento maior
Do amor satisfeito
Fim do infinito
Jornada sem fim
Conclusão de tudo que
é inconclusivo
Fala sem palavras e
Palavras sem fala
Graças à Mãe
pelo Jardim
Onde todo o amor acaba.
Sob um zimbro cantavam os ossos espalhados e brilhantes
Somos felizes por estarmos dispersos,
pouco fizemos de bem um ao outro,
Sob uma árvore no frescor do dia, Com a bênção da areia,
Esquecendo-se de si e uns de outros, unidos
No silêncio do deserto. Esta é a terra que vós
Dividireis à sorte. E nem divisão nem unidade
Importa. Esta é a terra. Temos a nossa herança.
ASH-WEDNESDAY, 1930
T. S. Eliot Complete Poems 1909-1962
Harcourt, Brace & World, 1988.
Versão Portuguesa © Luísa Vinuesa
___
O título corresponde à 1ªlinha do poema. (NdT)